Conheceram-se durante uma consulta veterinária. Shion irritou-se com aquele homem invadindo o consultório, assustando não só seu Lulu da Pomerânia, como também a filha. O marido permanecia indiferente ao que acontecia ali, analisando as pontas dos cabelos.— Desculpem, é que achei esse gatinho na rua, não sei como ele ficou tão machucado. Você pode ajudar, não pode?O veterinário hesitou, mas pediu que todos ali se retirassem, dando espaço para que tentasse salvar o pobre gato. Albafica continuou desinteressado. Pegou a filha pela mão e saiu de imediato, esperando que Shion apanhasse o maldito cachorrinho. Ah, como detestava aquele bicho chato! Mas como fora um pedido da pequena Agasha, o outro pai não pode recusar. Além disso, não é como se o animal estivesse doente ou algo assim, era apenas uma consulta de rotina. — Papai, podemos tomar sorvete antes de chegar em casa?Albafica encarou o marido severamente, antes que este fizesse mais uma das vontades da garotinha.— Depois de largar o Carneirinho em casa. Não podemos entrar numa sorveteria com o cachorro, Agasha. Já conversamos sobre isso.Encontraram-se outra vez em um ambiente totalmente diferente: Albafica sentado ao balcão de um pub, aproveitando o verdadeiro sentido de um happy hour: afrouxava a gravata e aproveitava de sua solidão antes de retornar ao lar e vestir sua roupa de pai e marido, logo após livrar-se da estúpida vestimenta que usava quando ocupava a cadeira de contador. Despejou o restinho de água com gás da garrafa de vidro em seu copo com cubos de gelo e rodelas de limão, aproximando-se do sujeito.— Seu gato ficou bem?O homem precisou tirar um pouco da franja desgrenhada da frente dos olhos. Pensou por alguns instantes até que pudesse se lembrar. Não prestara atenção quando adentrou, abruptamente, o consultório, mas os seguiu até a saída. Sentou em uma daquelas cadeirinhas desconfortáveis, preocupado com o bichano. O cachorro daquela família era muito agitado, mas recordou-se da fala sobre o sorvete. O cara à sua frente fazia parte da família bonita que parecia saída de um comercial de margarina!— Bem, bem, ele não ficou. Perdeu um olho, ficou meio torto. O pelo ainda não cresceu em alguns lugares. Mas está melhorando da sarna e ganhando peso. O seu cachorro está bem? Queria pedir desculpas, mas vocês foram embora...Espero não ter atrapalhado nada de importante.— Não se preocupe, não atrapalhou. Boa sorte com o gato.Albafica largou o copo ainda pela metade sobre o balcão e foi embora, com algum pesar. Por Agasha, novamente, retornava à sua bolha.Semanas depois, saía do trabalho, em manada como sempre. Todos naquele prédio vestiam-se e portavam-se da mesma maneira. Ternos, pastas de couro, gravatas coloridas destoantes do conjunto davam a graça e diferenciavam os homens. As mulheres, com os terninhos de tons mais atrevidos, saltos combinando. Como se saídas de uma fábrica de bonecas. Ao deixar o prédio, encontrou o homem pela terceira vez, agora acompanhado de um loiro e um moreno, gesticulando enquanto falava, empolgado. Destoando de todas aquelas coisas ali.Achou graça naquilo. Acendeu um cigarro e esperou que os dois fossem embora, finalmente abordando o estranho.— O gato melhorou da sarna?Não era só o cabelo desbotado, quase branco, que chamava a atenção de Albafica, apesar de ser um bom identificador. Algo em sua maneira de portar-se, até mesmo de falar, lhe fascinava. O agora dono do felino abriu um sorriso, revelando seus dentes levemente desalinhados, respondendo alegremente:— Sim! Mas o pelo não cresceu totalmente. Você quer conhecê-lo?É claro que o contador não parecia a pessoa mais normal do mundo, abordando um desconhecido e lhe perguntando sobre o tal gato. Apenas cedia à vontade que tinha de ter contato com algo destoante. E talvez agir de forma atípica também lhe trouxesse algum alívio. Aceitou o pedido.